A curvatura do tempo
Olho ao redor, há
pouco do lugar que eu sou
Contemplo o pôr do sol cada
dia mais turvo
Não é o mesmo sol quando residia no
ventre materno
De onde o vejo não há céu, nem mar, nem
arvoredos
Estou envolto por coisas inertes,
mensuráveis, inelutáveis
Aqui permaneço, longe do cais
e perto dos sonhos
A brisa que me toca é menos suave e o ar
mais denso
Permaneço, enquanto pensamentos me
transportam ...
Estou despido, as coisas que medeiam não
me tomam, não me tornam
Do caminho percorrido, muitos trago
comigo
Poucos deixei para trás [benditos sejam
os sonhos]
Se quiser, posso voltar a todos e os
encontrarei mais vivos
O esquecimento é proposital é
sobrevivência
Aquela brisa densa, aquele sol turvo -
fazem parte do caminho
O sol surge no horizonte, ainda está
disforme e frio
Não é o mesmo sol quando residia no
braço paterno
Eis duas fortalezas do ser
humano ou do inumano mais crítico
O olhar complacente da mãe e o peso da
mão áspera do pai sobre o ombro
No horizonte, se o encaro detidamente,
os encontro e sei que estão aqui
Em cada célula, em cada átimo e assim
sou pleno
De tudo restarão três coisas: aqueles
olhos, aquela mão e o sol turvo
Eis o tempo, péssima intenção
humana, e eu sigo sentindo
Liberto das coisas e mais perto daquele
cais
Dentro do vento, meus olhos
fecham e minha garganta seca
Penso no retorno novamente, as pessoas
andam distantes [bendito seja o sonho]
Olho para trás, há vários caminhos
possíveis e a escolha feita
Com o nó na garganta, o caminho a ser
seguido - em frente
Ao longe - no horizonte, a abstrata
linha: sem sabor, sem cheiro e sem sons
Encolhido no caminho, a tempestade e a
noite agigantam-se
Mas, aqueles olhos ainda estão lá [o
farol daquele cais]
E sinto aquela mão no meu ombro, mais
áspera e firme pelo mérito da vida
Erigido pelo caminho, a poeira assentada
na curvatura do tempo
Sigo-o – ao meu lado o amor, a um passo
os meus sonhos
E no horizonte – aqueles olhos nos guiam
pela noite escura
O sol surge no horizonte, estamos no
cais, de onde vemos o céu, o mar e arvoredos
Para trás a tempestade – estamos
rodeados por seres libertos, intangíveis
Aqui permaneço, envolto nos braços sob a
luz daqueles olhos e dentro do nosso sonho
Belo Horizonte, 27 de fevereiro de 2013
(Aos meus pais)